sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Medo.

Ilustração: Yhuri Cruz.
(Clique e veja em melhor resolução.)
O clima quente finalmente se ausentava do Rio de janeiro e o subúrbio acalmava suas esquinas lotadas de ambulantes vendedores d'água. A moça estava num ponto de ônibus do bairro de Olaria, e acima dela, somente um recente céu esfumaçado de cinza, pronto para desabar. Ao seu lado, um rapaz apertava sua mão com firmeza. Ambos esperavam a condução passar - Letícia ansiosa. A ansiedade se justificava na espera de sua avó, que a aguardava em casa para poder finalmente sair às compras. A moça, que dormiu na casa do namorado, havia perdido a hora de acordar devido à noite cansativa que havia passado. De qualquer forma, naquele momento, Letícia preferiria ter dispensado o prazer noturno e ter acordado na hora exata. Estava atrasada. "Merda", pensou Letícia ao despertar às 10 horas.

No ponto de ônibus, o rapaz balbuciou um "eu te amo", acompanhado de um sorriso preocupado. Cansava ver Letícia correr daquela forma - não era a primeira vez que a moça fugia de sua cama tão abruptamente. A moça pareceu não ter escutado; mirava o vazio, horizonte acima. "Onde está esse ônibus?", disse numa voz aflita. 

A chuva finalmente caía, depois de tanto ameaçar, e ambos se protegiam debaixo de uma marquise. Letícia acentuava uma frustração em sua face. Minutos depois o ônibus se aproximava - Letícia tensionou os músculos em reação. Intentou correr a frente até a condução, ainda distante, mas o rapaz a segurou pelo braço: "espera ele chegar mais perto, você quer se molhar?". A moça o beijou, largou-se e correu na chuva, acenando com o braço para que o ônibus parasse. Molhou-se. Subiu no ônibus e, através das janelas, acenou um tchau para o rapaz, enquanto ele gritava: "Volta logo!".

Letícia não estava mais ali, nem mente nem corpo. 

*

(Alô. Alô. Oi, amor, tudo bem? Tudo certo, chegou bem? Cheguei sim. Deixa eu te falar. O quê? Eu realmente odeio quando você vai embora desse jeito. Como assim? Porra Letícia, você acordou e nem tomou café, saiu correndo da minha casa como se estivesse fugindo. Desculpa, amor. Não deu tchau pra ninguém, minha mãe até comentou "ué, Letícia já foi?", é chato, porra. Desculpa, amor. Eu me pergunto se você é castigada pela sua família, se eles ameaçam ou te agridem. Não fala merda. Da onde vem esse medo todo? Não é medo. Hoje, você teve a infelicidade de se atrasar, mas isso é recorrente. Sua mãe ficou chateada? Minha mãe só acha estranho essa sua mania de sair correndo. Pede desculpas a ela. Pode deixar. Vou tentar melhorar isso, não sei o que acontece comigo. Nem eu. Mas não é medo. O que seria então? Não sei. Acho que é um instinto de auto-preservação, você não quer sofrer críticas pela nossa relação. Pode ser. Mas você sofre críticas pela nossa relação? De vez em quando, minha vó e minha mãe são retrógradas. Eu conheço as feras. Não tão bem quanto eu. Enfim, vou almoçar. Certo, bom almoço. Te amo. Te amo.).

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