segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Homem-formiga.

O medo do passado transforma as pessoas em humanos incompletos.
Já não há esperanças para aqueles que possuem apegos no pretérito.
Aqueles que vivem o hoje, mas pensam no ontem, ficam presos no lapso de tempo que o coração magoado criou.
São cordas de mágoa e decepção que envolvem os pés e limitam os passos.
São ondas que caminham contra a maré do bem-estar.
São lágrimas que amarelam o sorriso verdadeiro.

Cabe a você ir sempre em frente.
Porque, tenha certeza, nenhum empurrão possui a força do seu impulso.
Nem as cordas que te prendem possuem sua resistência.
Nem as ondas que te afogam possuem tamanho fôlego.
Nem as lágrimas que te embaçam os olhos possuem a nitidez de sua decisão.

O máximo que um choro pode trazer é o triste afogamento das formigas do seu quarto.
Cada lágrima que cai, é uma tragédia.
Pobres formigas batalhadoras que não sabem o que é o sofrer.
São vitimas de um sofrimento molhado que não pertence a vocês.
Invisíveis ao olhar marejado do triste amante.

Às vezes me sinto um homem-formiga.
Sufocado nesse formigueiro que se chama vida.
O jeito é entrar na fila e nunca parar de andar.

do pensante.

sábado, 6 de novembro de 2010

A chamada do paraíso.

Naquela sexta-feira, dia 8 de julho de 2004, eu estava na casa dos meus avós. Era uma casa incrivelmente antiga e diferente. Acredito que minha bisavó, Carminha, tenha a deixado para minha vó, Léa. A casa tinha um ar imperial. Era grande, com a fachada branca, diversas pilastras, e portas muito maiores das que nós vemos atualmente.

A familia Pinheiro Silva estava toda reunida para relembrar os 10 anos de morte do meu avô, João - conhecido como "Jota". Essa era uma tradição da familia: a cada 10 anos de morte de algum ente querido, nos reuníamos para relembrar, para reavivar sua memória em festa.

A família Pinheiro Silva acredita que o amor é eterno e que lembrar com alegria a pessoa que já se foi, é um ritual que tem como objetivo, não só transmitir a saudade que sentimos, mas também agradar aos falecidos juntando toda a família.

Naquele dia, todas as mulheres estavam na grande cozinha azul da minha avó e os homens, conversavam no grande salão. Eu ainda tinha 14 anos e não achava muito divertido ficar ouvindo as conversas malandras dos garanhões da familia, e muito menos as conversas de negócio e política dos mais velhos. Fui para cozinha, mas não achei entretenimento algum ao ouvir as mães, tias e primas fofocando a vida alheia, ainda que tenha ouvido algumas coisas interessantes. Acho que minha tia Cláudia está grávida, mas ainda não disse para o meu tio.

Em seguida, resolvi passear um pouco pelo casarão. Me sentia em outra época, uma época que nunca vivi, mas que leio constantemente nos livros de história. A época dos cavalos, dos imperadores, do "vós mecê", dos escravos. 

De repente ouvi um telefone tocar...TRIMMM, TRIMMM ... Botei as mãos nos bolsos, mas não tinha trago o meu celular comigo. O telefone continuava a soar. Seguindo o som, entrei num quarto estranhamente familiar. Acho que já tinha estado ali, era o quarto de ferramentas e outras bugigangas do meu avô. Lembrei que brincava bastante ali quando meu avô ainda era vivo. Eram memórias enevoadas: só lembro nuances, silhuetas e sorrisos. 

O telefone, que estava num móvel ao lado de uma cadeira antiga, tocava.. TRIMMM TRIMMM ... Era um telefone antiqüíssimo, grande, marrom e dourado.Cheguei perto e me assustei quando vi que o telefone não possuía fiação alguma. Tocava por si só, sem nenhuma energia elétrica em suas veias. Ele tocou mais uma vez, mas em um volume estrondoso! TRIIIIIIIIIMMMMM! ! !

Saí correndo rapidamente dali e tropecei no corredor que dava para o grande salão. Meus primos garanhões riram e zoaram da minha cara de medo. Passado algum tempo, cheguei um pouco perto do quarto novamente mas não ouvi som algum. Não ousei entrar no quarto. Mas acredite, não tinha sonhado, eu podia sentir as vibrações sonoras nos meus ouvidos alguns minutos atrás.

Já faz seis anos que isso aconteceu, e, ainda que eu não o tenha atendido, eu nunca vou esquecer o dia em que meu avô tentou me ligar do paraíso.

Do pensante.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Inconseqüente.

Ana estava cansada de esperar por Eduardo. Durante toda uma semana, as palavras que seriam ditas nessa noite não paravam de ser pronunciadas na calada da sua mente. Ela estava decidida e não iria de maneira nenhuma voltar atrás.

Ela acordava todas as manhas pensando em dizer isso para Eduardo, mas ela era tão perfeccionista que não poderia desperdiçar tais palavras em uma paisagem que não condizia com seu sentimento. Ela é daquelas pessoas que são tão pacientes que engolem o próprio desejo de gritar, contestar, responder, visando o alcance dos seus sonhos futuros perfeitos.

Finalmente esse dia havia chegado. Ela estava no ponto de ônibus em frente a uma pequena lanchonete de esquina que vendia crepes suíços. Já era aproximadamente 23 horas de uma sexta-feira. Eduardo trabalhava e chegava tarde, principalmente as sextas, onde o trânsito nunca é fluido. Ana mais uma vez repensava cada palavra, cada possibilidade de resposta por parte dele.

A poucos minutos dali, Eduardo estava no ônibus indo em direção a Ana. Diferente dela, ele não perdia tempo para falar, agir ou estragar tudo. Ele era uma pessoa de ação inconseqüente, como dizia sua mãe. Eduardo não tinha duvidas no que falar e, sem pensar ("pra que esperar?"), ligou do seu celular para Isabela.

Isabela estava cochilando em sua cama, tinha a mania de dormir cedo e acordar tarde. Mas nessa noite, tentava rigorosamente dormir e esquecer todos os acontecimentos passados. Sonhava enevoadamente com o rosto de Eduardo lhe dizendo algumas palavras que ela não queria ouvir. Quando ouviu o celular tocar, pegou-o e atendeu-o. Era Ana, sua amiga.

- Não atenda o Eduardo, Isabela. Não atenda a ligação dele - falou e desligou em seguida.

Três segundos depois o celular de Isabela tocou novamente, era Eduardo dessa vez. Ela o atendeu.

-Isabela, eu te amo! - gritou ele dentro do ônibus - Eu te amo, meu amor! Me desculpa ter feito isso com você. Eu não pensei, eu me arrependo. Eu queria poder pensar e raciocinar, mas eu sou tão impulsivo que me perco em minhas próprias ações. Me perdoa, meu amor...

- Eu não sei, Eduardo. Eu tenho certeza que você não me perdoaria se eu fizesse isso com você. Eu posso perdoar tudo, mas eu não vou passar por cima de um principio que me torna o que eu sou.

- Mas eu sei que você me ama, e eu te amo! Me perdoa, amor. Eu faço tudo por você. Você não pode fazer isso comigo. Eu não sou nada sem você.

- Passa aqui em casa amanhã para conversarmos. - falou, Isabela, com um receio na voz.

- Eu te peço, amor. Eu preciso do teu perdão, eu preciso do seu amor, eu preciso de você. - respondeu Eduardo, e ambos desligaram.

Finalmente o ônibus passa pelo ponto onde encontra-se Ana, amiga de Isabela. No entanto, o motorista não para. Ninguém iria descer ali. Ela e Eduardo se reparam durante os segundos em que o ônibus percorre os metros daquela marquise que sombreava o corpo de Ana. Ele percebe o misto de surpresa e tristeza em seu rosto ao ver que o onibus não pararia como esperava, e ela percebe a esperança no dele, ainda que percebesse lágrimas ressecadas.

Então ela viu o grande veículo sumindo na paisagem urbana. Não pensou na possibilidade dele simplesmente não saltar do ônibus. Sentou no banco do ponto e as sombras da noite encobriram seu rosto.

Mais uma vez, Ana pensa no que ia falar para Eduardo: Eu sei que eu apareci na sua vida como um ônibus desenfreado, louco para te ter como passageiro e depois te deixar em um ponto qualquer, como esse aqui, mas eu me apaixonei por você. Eu também sei que você ainda é apaixonado por ela. Mas eu não me importo em te dividir. Eu te amo mais que tudo. Não precisa decidir agora. Agora que você está aqui, eu não tenho pressa de nada. Vamos comer alguma coisa e conversar. Eu só quero estar com você. Eu só quero poder te amar.


Ana que esperou toda a semana para lhe dizer isso, perdeu diversas oportunidades de conquistar Augusto. E tudo foi em vão. Eduardo que não exitou em declarar o quanto amava Isabela, ainda que estivesse errado, provou a si mesmo, e a sua mãe inconscientemente, que ser dessa maneira explosiva e impulsiva pode trazer alguns bons frutos. Valeu a pena tentar. Caberá à Isabela pensar em perdoar ou não Eduardo.

Não importa que a vida se transforme num labirinto de possibilidades. Se você não tentar, se você não escolher rapidamente um caminho, o labirinto pode, num piscar de olhos, virar um corredor. O corredor do arrependimento.

Pensante.