domingo, 4 de dezembro de 2011

O Copo.

O bebedouro e o copo. (Ilustração: Yhuri Cruz )
Disseram-me que logo ali, subindo a rampa, virando a direita, eu encontraria um bebedouro. Descoberta a fonte, aproximei-me do grande objeto retangular, curvei lentamente minha coluna e com certa ansiedade apertei o seu dispositivo, aquele que faz a água jorrar, como num chafariz em miniatura. A água, cumprindo seu papel, chegou com calma, com mais calma do que eu esperava, demasiadamente lenta, como praia na maré baixa.

Em cima do bebedouro havia um pequeno copo plástico, deixado ali por um certo alguém, que provavelmente não crê na higiene de um aparelho que tem em sua natureza a necessidade da aproximação da boca para a tomada do gole d'água. Imagine: várias bocas que já ocuparam o mesmo espaço em tempos distintos.

Pressionado o botão, o bebedouro foi acionado. A lenta corrente de água saltou e fez o copo plástico boiar. A depressão do bebedouro se enchia do líquido transparente e o copo flutuava feliz, de um lado ao outro, sem ânsia de chegar, consciente de que não encontraria obstáculo, só acompanhando a maré que eu criava para aquela maquete de mar.

Eu levei meus lábios até a corrente d'água que refrescava minha garganta com maestria. Enquanto bebia, olhei para o lado e vi um barco tomando o lugar do copo. Uma pequena canoa branca, real, dessas para pescadores navegava naquele pequeno espaço quadrado. A canoa-copo vinha em minha direção. Minha boca se enchia da minha própria maré, mas as pequenas gotas travessas que fugiam do sugar, traziam o mínimo barco navegante a mim.

A sede cessou, mas eu não me permitia parar de gerar ondas para aquele copo navegar. Não me dei conta que algumas pessoas me observavam de longe. Um homem encarando um bebedouro, desperdiçando água alheia, fazendo o copo se movimentar. É o que eles pensavam, imagino. Não se davam conta da canoa, de sua existência ilusória. Não era desperdício.

Meus dedos continuavam a jorrar. Até que finalmente uma mulher de uniforme nublado e voz severa veio me chamar atenção. Aí então, a mulher me deu um puxão e o fluxo de água parou num solavanco trovejante (KAABUM!). Olhei-a desconcertado e em seguida reparei que o copo havia tombado, flutuando de lado no resto das águas, que desaguavam para dentro do bebedouro.

Procurei não olhar ao meu redor, e saí depressa dali. Com o copo nas mãos, a passos largos, o avião monomotor flutuava sob o corrimão da rampa.
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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Quelqu'un m'a dit.

"Disseram-me que o destino debocha de nós; que não nos dá nada e nos promete tudo". (Quelqu'un m'a dit - Carla Bruni)

Quelqu'un m'a dit. (Ilustração: Yhuri Cruz)