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Gabriela. (Ilustração: Yhuri Cruz. Arte: lápis aquarela) |
As batidas por si só. Tuntz tuntz tuntz. Os sons eletrônicos vibravam os vários corpos enérgicos. O álcool causava combustão na sola do pé, fazendo-o soltar-se do chão, do real, do sóbrio. A claridade só era encontrada nos raios verdes que cortavam todos os membros dos dançantes: laser nos braços, nas pernas, na cabeça. Uma carnificina. O resto era breu. O som e o laser eram a cenografia daquela peça de teatro do mundo contemporâneo. Eu, mais uma personagem, sentado no canto, tomando uma caipirinha. Gabriela se aproximou e sentou-se.
- Qual o seu nome?, me perguntou.
- Eu sou Miguel. E você?
- Você é uma pessoa interessante? Quero dizer, vale a pena te conhecer?
- Olhe ao redor. Está vendo as pessoas dançando? Eu sou o único aqui, sentado.
- Eu busco por alguém interessante.
- Pode se dizer que nesse lugar, eu sou o mais interessante que você vai achar. Eu estou em destaque. A ausência de movimento me torna lugar incomum dentro do formigueiro.
- Dentro de um formigueiro, isso significaria que você está morto.
- E você está prestes a me acompanhar na além vida. Não vejo você se mover.
Gabriela me deixou por uns instantes, mas seus olhos não desataram dos meus. Misturou-se aos vultos deslizantes e dançou por alguns minutos. Eu vi suas pernas e seus seios sendo iluminados pelos raios verdes de laser. Foi uma linda cena.
- Você não quer morrer comigo?, perguntei-a.
- A vida não é boa o bastante para você, Miguel?
- Pelo jeito, eu que não sou bom o bastante para a vida., e uns minutos passaram.
- Eu quero alguém interessante. Tem algum amigo?, insistiu.
- Imagina aquele jogo em que uma pessoa usa uma venda e tem de achar os escondidos. É a mesma probabilidade.
- Mas eu estou de olhos abertos.
- E isso só dificulta a busca, não acha?
Algum tipo de conflito acontecia no meio da pista de dança. Jorravam raios de luz branca, como flashes de um papparazi.
- Aquele que está ganhando a briga parece ser interessante., ela disse e ao mesmo tempo me encarava.
- Seus olhos não são azuis nem verdes. São negros como os meus.
- Eu adoraria olhos prateados.
- Olha, o seu interessante ganhou mesmo., remarquei o fim da briga.
- Já tenho o meu perdedor., Gabriela disse olhando para a multidão que se dissipava e voltava a dançar.
- Você adora um oprimido, não?, eu disse fazendo-a gargalhar.
- Eu gosto de dominar.
Seus lábios eram tão molhados e sua respiração estava quente quando me beijou. Meus braços a enroscavam e sua mão se repousava em minhas coxas. Rasteira e ligeira, me agarrou pela cintura e me levou até a pista de dança.
- Eu não consigo nem te ver!, gritei em seus ouvidos.
- Mas eu estou aqui, Miguel! Como você se sente voltando a vida? A dinâmica do formigueiro não é tão ruim!, e me beijou com força.
- Só faltava a rainha aparecer., mandei o galanteio mais
cliché possivel.
- Longe de ser Rainha! Somos todos operários, Miguel! Uma manada de operários buscando luxo e amor!
No fim da noite revelou-se Gabriela. Não reparei que não sabia seu nome. Seus beijos me pressionaram até meus lábios doerem. Estava acompanhada de amigas que se apresentaram uma à uma. Três horas da manhã partiu, sem achar o que procurava. Eu, de lábios inchados.
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