Naquela noite eu me senti sozinho. Não no sentido corriqueiro de estar sem pessoas ao seu redor, isolado do mundo, do povo carioca sempre receptivo. Não. Sob aquela tenda escura, rodeado de garçons vestidos com chapéus de caubói, e iluminado pela luz de neon verde, vermelho e azul, sentado naquela mesa de madeira, eu me senti sozinho de amor, ou melhor, de afeto. Senti-me inalcançável para qualquer um e até para mim mesmo. Eu olhava ao meu redor e aquele ambiente rebatia o que eu menos precisava sentir. As pessoas pulavam, mexiam os pés e as cabeças, se abraçavam insanamente, rebolavam, se esfregavam como gatos nas pernas dos seus donos. E eu juro que durante toda uma época da minha vida eu pedia por aquilo. Eu queria ser um bichano, queria poder miar e seduzir, lamber e me arrastar por todos. Mas naquela noite eu descobri uma pequena parte de quem eu sou. E eu não sou aquilo.
No entanto, eu tentei ser, desejei ser um bichano. Meu corpo se mexia e liberava uma energia vermelha durante os vários espasmos que a música me fazia ter. E eu a vi em minha frente. Ela, gata borralheira que nunca viria a ser cinderela, seria a responsável por me tornar mais um gato dentro daquela tenda felina, ela seria a perna para enroscar meu corpo. Eu a fitava sem parar, fuzilava-a, diretamente nos olhos - não nos seios ou quadris, mas nos olhos -, coisa que eu faço dificilmente com tanta intensidade. Eu não sou um gato, eu devo ser uma coruja tímida no alto da árvore.
Aproximava-me de seu corpo que se mexia com uma sensualidade estúpida, vazia - era tudo que eu necessitava. Os toques começaram a ser trocados, sutilmente. Hoje percebo que a sutileza não estava lá, somente dentro de mim, mas completamente exterior àquela mulher. Enfim, eu decidi me empurrar diante do meu desejo. "Eu quero isso, eu quero isso". Era o que eu repetia infinitas vezes dentro do meu espectro pensante. Eu não sentia essa vontade de impulso tão forte havia algum tempo, e, olhando dessa maneira, isso era expressão do meu desespero de me sentir junto de alguém de novo. "Eu quero isso, eu quero isso". Eu fui. Meu nariz caminhou alguns centímetros na direção daquela borralheira gata, e, em câmera lenta, minhas células sofriam uma mutação. Pelos de tom caramelo-marrom brotavam de meus poros como as infinitas gotas caem do céu num dia de verão. Meu nariz se reduzia, arredondava-se, estava gelado e negro. Eu me transfigurava finalmente num gato, como todos ali. Eu me sentia prestes a realizar minha vontade.
Centímetro à milímetro, minha boca se aproximava da dela. Já sentia o sabor da vitória, tinha cheiro de perdição. Quando finalmente relei meus lábios contra os dela, ela se afastou em reflexo à minha ação. Afastou-se e sorriu. Sorriso malicioso, de quem estava brincando. E eu afirmo: aquilo não era brincadeira para mim, era meu desejo, era minha fantasia que poderia virar real. Mas ela brincava, como uma gatinha assanhada que arranhava sua bolinha de lã de um lado para o outro e depois a deixava no cantinho para poder aproveitar mais tarde, caso houvesse esse desejo. Eu era 1,85m de pura lã, tinha a mesma utilidade de lã, eu era uma pessoa de lã que estava pendurada por um cabo que subia pelos céus e se prendia numa estrutura feita do puro material - malícia - que a aquela mulher possuía. E, como qualquer gato faria, ela me arranhou com seus olhos e sorriso, e me deixou.
Sentei, e a reflexão de tudo aquilo me roubou os pensamentos. Minha versão frágil afogou todas as outras e me senti uma criança, ali, debruçado naquela mesa de madeira, coberta por gotículas de cerveja ou o álcool que for. Pensava que não era homem, não era sequer um adulto, era uma criança assexuada e besta que não conseguia domar nem uma formiga microscópica, muito menos uma mulher. Sofri. Sofri de verdade, senti inveja de verdade, senti saudades de verdade da minha antiga namorada, e ali permaneci.
Quando finalmente voltei a me enxergar, afinal não há nada que dure para sempre - muito menos o autoflagelamento -, e saí da reflexão, olhei ao redor, e a vi, se enroscando com outro homem. Um pequeno homem, mas possivelmente, um grande felino que possuía muito mais malícia do que aquela gata. Estúpida e com recente textura de lã. Como já havia sentido o pior de mim alguns minutos antes, a merda da autohumilhação não veio com tanta força. Só me senti sozinho, isolado do que eu mais queria, afeto. Fiquei ali, olhando os gatos mostrarem suas garras, enquanto gradualmente percebia que a gatarrada não era meu habitat, que eu não era um gato, e nunca seria, jamais.