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Júbilo, nudez e loucura. (Ilustração: Yhuri Cruz. Inspirado em Inez van Lamsweerde and Vinoodh Matadin e Van Gogh) |
Foi decerto por isto que me nasceu, esta sim, espontaneamente, a idéia de fazer uma das minhas chamadas "loucuras". Essa fora aliás, e desde muito cedo, a minha esplêndida conquista contra o ambiente familiar. Desde cedinho, desde os tempos de ginásio, em que arranjava regularmente uma reprovação todos os anos; desde o beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos, descoberto por Tia Velha, uma detestável de tia; e principalmente desde as lições que dei ou recebi, não sei, de uma criada de parentes: eu consegui no reformatório do lar e na vasta parentagem, a fama conciliatória de "louco". "É doido, coitado!" falavam. Meus pais falavam com certa tristeza condescendente, o resto da parentagem buscando exemplo para os filhos e provavelmente com aquele prazer dos que se convencem de alguma superioridade. Não tinham doidos entre os filhos. Pois foi o que me salvou, essa fama. Fiz tudo o que a vida me apresentou e o meu ser exigia para se realizar com integridade. E me deixaram fazer tudo, porque eu era doido, coitado. Resultou disso uma existência sem complexos, de que não posso me queixar um nada. (Mário de Andrade, Contos Novos, 1947)
Os considerados loucos tem liberdade poética para desgostar, ofender, discutir, desafiar, arriscar, desobedecer e ignorar. Enquanto os reconhecidos como sãos respiram velados pela boa educação, obediência, semancol, bom senso e ainda são alvos de críticas duras quando agem como impulsivos.
Quisera viver a loucura desde os primeiros segundos da minha existência; não ter chorado quando o doutor estapeou meu recém-nascido traseiro ou, bem mais tarde, ter preferido o futebol às letras. Poderia ter desistido nos primeiros meses de catequese e judiado da maldita moral que não me deixa ceder às minhas paixões mais sanguíneas. Mas essa consciência que me (des)alucina. Mas essa compaixão morna que vulcaniza meus passos. Mas essa condenação irracional que eu me ofereço por cometer atos desgarrados nos raros momentos de euforia e verdade do meu ser.
Não adianta buscá-la em outros cantos. A felicidade está na loucura e na nudez.
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