quinta-feira, 28 de junho de 2012

Anuviado.

Olhou-se no espelho e encarou-se por um longo tempo. Tentando sorrir, mas sem êxito. Os dentes cerravam e os lábios uniam-se. Lá estava seu reflexo nu dentro do vidro. Levantou uma das pernas o mais alto que conseguia, mas perdeu o equilíbrio segundos depois. Infectou seu estômago com algo podre que comera na esquina e emagrecera 5 quilos. Sua magreza refletia seu interior. Como ser tão ignorante? A sua nudez não o incomodava mais, já fora o tempo que a insegurança perante o seu corpo o confundia. Mesmo assim questionou-se sobre o material que revestia seu esqueleto. Os músculos sumiram e só restou uma pele composta por células de dúvida. Aproximou seu rosto ao espelho e tentou um novo sorriso, mas pegou-se olhando para seus próprios olhos. Eram negros e estranhos, assim como sua pessoa. As tímidas olheiras tornavam-se visíveis. Quem tem pouca olheira é um péssimo observador? Encostou as mãos no espelho e sujou o próprio reflexo. Desenhou dois olhos e uma boca que gritava. Gritava mas não se ouvia nada. Bateu no vidro de leve e perguntou-se se no mundo de dentro do espelho eles ouviriam o grito. Daí grudou toda a face contra o vidro, esfregando a pele sebosa, espalhando marcas e silhuetas por toda parte. Quis mais. Esfregou todo o corpo ao longo do espelho. Fazia isso de olhos arregalados e via-se do outro lado do mundo como uma serpente que recebia um eletrochoque e rebatia-se contra o chão. Ficara repentinamente excitado, os músculos retesaram-se. Silhuetas disformes, perfis caleidoscópicos, mãos sinistramente alongadas, rastros de suor e líquido escorriam. Afastou-se finalmente e encarou o resultado da catarse. O vidro metalizado que antes dava em troca o reflexo perfeito estava coberto por suor e gordura corporal. Não conseguia identificar-se mais. A não ser os pés que refletiam-se na parte inferior, menos suja do espelho. Ele se aproximou e passou a mão suja em todas as partes ainda desanuviadas. Pronto. Agora isso reflete a realidade.


Monet me anuvia.
 (Yhuri Cruz + Bahnhof Saint Lazare in Paris, de Monet)

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