quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Pinturas.

Ele estava em um corredor de paredes mofadas, com diferentes tons de bege e algumas nuâncias verdes. A umidade era percebida pela presença de grandes manchas de infiltração que as paredes transpareciam, como pequenas explosões planas e silenciosas, projetando diversos tipos de formas arrendondadas, em várias camadas e cores. A luz do corredor era falha e romântica, lembrando os tempos onde as velas, candelabros e o sol eram os únicos meios de iluminação.

Enquanto ele calmamente caminhava, sem pressa de chegar aonde deveria chegar seguindo aquela direção, reparava em vários pequenos quadros que se repetiam a cada dois ou três passos largos no corredor, pendurados em ambas as paredes, direita e esquerda.

Quadro da direita. (Yhuri Cruz + photoshop)
Na parede direita, as pinturas mostravam com delicadeza de gosto, mas sem detalhamentos nos traços,  alguns momentos felizes que ele vivenciou em sua vida. Era comum constatar a tinta branca esparramada em formato de meia lua, desenhando sorrisos em rostos simples e familiares, assim como perceber o tom moreno de sua pele abraçado com o de diversas pessoas, de tons tão variados e encantadores: brancos, pretos, amarelos e outros morenos. As pinturas da direita possuiam um gênero mais surrealista, com grandes manchas de tinta espalhadas e borradas no papel. A cada pequeno quadrinho, ele sentia sua boca se expandir, sua excitação aumentar e sua memória se exercitar, tentando decifrar todos aqueles momentos de satisfação e alegria, que, por acaso, e infelizmente, esqueceu.

Na parede esquerda, os quadros tinham um tamanho um pouco mais avantajado e o estilo da pintura era muito mais realista, e menos ilusório. Cada traço era preciso e certeiro, como se o pintor tivesse uma fortíssima memória fotográfica, aliada a um talento natural para colocar cada passada de grafite no lugar certo. A cada passo, percebia que todas as pinturas esquerdas refletiam memórias que ele nunca esqueceu. Fatos dolorosos e pesados. Daqueles que a vida tatua em nossa memória com uma tinta permanente, de sangue, suor e lagrimas. As pinturas em preto e branco, desenhavam com nitidez, imagens de cabeças capisbaixas, olhos fechados, sombras funéreas, agonias e torturas.

Quadro da esquerda (Yhuri Cruz + photoshop)
- Neste corredor, eu relembro minha vida. Sempre um pouco tortuosa, vivida a meia luz, sem muita certeza do que pode ou o que não pode. - pensou ele.
- Olha só todos esses pequenos quadros coloridos e felizes. Estão tão turvos dentro de mim. Enquanto, os esquerdos, os tristes, estão muito mais nítidos na minha memória.
- Seguindo, nessa linha do tempo, vejo o quanto eu vivi alegrias, e, ao mesmo tempo, me esqueci delas. Por que será que as memórias felizes são muito mais dificieis de guardar?- ele se pergunta, finalmente.
- E só agora eu percebo que as memórias de decepção não são mais necessárias para mim. No final da vida, eu finalmente percebo isso, que para viver melhor é preciso deixar o que faz mal pra lá - ele concluiu.

Então, passo a passo, ele seguiu sua caminhada corredor adentro, indo para onde deveria chegar seguindo aquela direção.

Pensante.

4 comentários:

  1. Amooor,
    Amei esse texto!
    Mostra um pouco de nós,da nossa relação!
    A conclusão foi lindaaa!
    Eu sou a mulher mais feliz do mundooo!

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  2. Parabéns pelo Blog, gostei muito.
    Obrigada pela visita!
    Te sigo também.

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  3. Te sigo também !
    Depois passo com mais calma por aqui !
    Gostei bastante do textículo: " Do pensador"

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  4. Mas isso é instigante mesmo: Porque lembramos mais do que é ruim ? Seria muito mais lógico e saudável se nossa memória registrasse mais fortemente as alegrias do que as tristezas.
    Ser Humano é, também, Ser Assim. Fazer o que ? Se adaptar, uai. ( rsrsrsrs )

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