domingo, 3 de outubro de 2010

Dedos queimados.

João acordou, mas parecia continuar a dormir naquele dia. Normalmente acordava com mais energia e disposição para encarar a vida. Hoje ele tinha preguiça e fraqueza de vontade de continuar respirando. No entanto, continuou andando, algo o empurrava. Foi ao banheiro, depois à cozinha. Deu de cara com seu irmão tomando café da manhã, sua mãe pilotando o fogão e seu pai lendo o jornal. Todos tinham sorrisos amarelos e olhares elétricos.  Um 'bom dia' e começou a tomar seu café. Algo acontecera no fogão e uma labareda de fogo subiu até o teto, foi uma sorte da mãe ter saído da beira do fogão a tempo. O fogo azul alaranjado queimou a cortina da janela e se alastrou rapidamente para o pequeno armário que guardava c óleo e temperos para a comida. João não sentiu vontade de levantar e correr ou de apagar o fogo, ficou apreciando sua beleza e seu poder, vendo sua mãe, pai e irmão se desesperarem. Um minuto, e a casa toda estava em chamas, todas as fotografias, todas as roupas de cama, tapetes, objetos eletrônicos, tudo estava cedendo a supremacia do fogo. Inexplicavelmente, João começou a sentir uma alegria o invadir. Ria feliz vendo tudo queimar: sua familia, sua casa, suas lembranças, sua vida. Sua pele brilhava, sua dor estava queimando e sua alegria fervendo. 'Enfim, estou livre', pensou.

Abriu os olhos e saiu da cama, suava um pouco. Estava com energia. Foi ao banheiro, depois à cozinha. Seu irmão tomava café, sua mãe pilotava o fogão e seu pai lia o jornal. Ficou uns bons minutos apreciando o gás que enroscava a faísca, causando a alegria da combustão, consumindo todo o prazer em fogo. As chamas gemiam para João. 'Venha ser livre...'. João refletiu, levantou, pôs a mão no meio das chamas e sentiu a dor insuportável.

'Duvido que a liberdade possa ser tão dolorosa assim.', pensou. E chorou, entre a dor e o remorso.

Pensante_

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